O corpo, e dele a sexualidade e o prazer, é campo (ainda) de múltiplos interditos. Que o diga a Igreja, cuja modelação da sua percepção simbólica e práticas visou, não há muito, a sua neutralização e adestramento. E fê-lo sob o manto hediondo da culpa, polícia interiorizada, redundando numa clara distorção do que pode e deve ser uma ética pessoal conducente a um imperativo, por maioria de razão, cristão, mas não só, obviamente, de felicidade. Aliás o livro V da Bíblia, 'Cântico dos Cânticos!, ilustra a beleza do corpo, da sexualidade e do Amor e, não por acaso, tão ignorado. O filme 'Filomena' é também sobre isto. A inculcação duma culpa, a punição abjecta dum suposto pecado; isto é: uma anti-Igreja geradora de dor, de perpetuação dessa dor, e cujos fautores (no caso as freiras irlandesas que 'acolhem' jovens mães adolescentes) ilustram à saciedade aquilo a que os gregos chamaram Húbris - o orgulho; a soberba dos que se julgam detentores da Virtude como uma espada inclemente. Mas é mais: é também sobre o reajuste e o resgate da memória e dos afectos (tão-só aparentemente) desbaratados, da auto-percepção da culpa, vergonha (e segredo) e da sua superação. É, em determinada instância, um filme de reencontros. E se as clivagens são próprias do património geracional de cada personagem é na sua confrontação que resulta o desenho das limitações inerentes a cada uma delas, o que equivale dizer que todas comportam afinal 'uma visão do mundo'. Mas o que subjaz é que tal facto pode não ser um fatalismo. Assim haja vontade. É também uma história (paralela) de rumos convergentes. Longe de fazer do Amor uma jornada delico-doce, 'Filomena' retrata com fidelidade que este é, a mor das vezes, um lugar de chegada e não um dado adquirido à partida.
['Filomena', 2013. Realização: Stephen Frears; argumento: Jeff Pope e Steve Coogan; interpretações (protagonistas): Judi Dench e Steve Coogan].
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