quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Dilema: o corpo, alma e Deus...

"Com o seu primeiro violento pecado, sentira uma onda de vitalidade atravessá-lo e receava ver o seu corpo ou a sua alma mutilada pelo excesso. Em vez disso, a onda vital levara-o no seu seio para além de si próprio e libertara-o com o refluxo; e parte alguma do corpo ou da alma fora mutilada, antes uma paz sombria se estabelecera entre ambos os elementos. O caos onde se extinguia o seu ardor era um frio e indiferente conhecimento de si próprio. Pecara mortalmente, não só uma vez, mas muitas vezes e sabia que, ameaçado de perdição eterna pelo primeiro destes pecados, multiplicava com cada novo pecado a sua culpa e a sua punição. Os seus dias, trabalhos e pensamentos não lhe podiam obter qualquer reparação, pois as fontes da graça santificadora tinham cessado de refrescar a sua alma. No máximo, por intermédio de uma esmola dada a uma mendigo cuja bênção evitara, podia esperar, com enfado, conquistar certa parcela da graça actual. A devoção atirara-a pela borda fora."
James Joyce
Retrato do Artista Quando Jovem
pp. 118-119
(tradução Alfredo Margarido)
edições Difel, 2002

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