domingo, 16 de fevereiro de 2014

Photographia(S)

Às vezes consegue-se. A suspensão de tudo. Um abrandamento da máquina e tudo em nós num mínimo básico - funções vitais. Não há corpo, nem tempo. Torpor. Uma sensação tépida, uterinamente cálida. Imerso, quase na totalidade, com os olhos fitos exactamente na linha de água; e estou ali. Num silêncio aquoso, numa profunda paz. Gosto daquele azul que tinge a água do pigmento da luz. É um regresso, em sensação, a um estar inicial. E olho aquele corpo transfigurado, ondulado, impreciso, não meu, e percebo-o saciado. Quieto; finalmente quieto! Dessa fome de existir que se impõe por vezes demais. Ali, naqueles instantes frágeis, tudo é difuso: o ontem sem mágoas e futuro em branco. Até o som parece um pássaro esvoaçante de inquietação quando acontece entrarem ao engano num lugar só humano. E fecho os olhos e lentamente reabro-os e lentamente os fecho uma e outra vez e sinto paz. Ocorre-me algo que um velho me ensinou: Somos nós o mar; é em nós que ele habita. Assim é: Sou água dentro de água. Talvez seja isso a (minha) paz; quando dou a minha água à água e esta se dá a mim. E penso uma outra vez nesse sábio, já velho, que me disse: Religião é religar; é unir, por vontade, o que é diverso e assim é suposto ser. E dos vitrais daquela cúpula de vidro faço a minha própria igreja e acolho a luz como o abraço que me falta. Estou em paz. Mergulho e já posso ir ter comigo." 

Filipe M. 



Sem comentários: