sábado, 30 de maio de 2009

Grau Maior [Margarida Faro]

Grau maior

Escrevo, porque não desisto. Confesso-me.
Não rezo, protesto. Não me lamento, grito.
Peco por orgulho e escrevo para conversar comigo.
Estranho a maldade, a chantagem,
Numa delinquência pura, impune,
Fazendo ninho e nódoas negras
No coração chamado humano.

Porque a deusa da água e dos cavalos
Pôs uma verdade grande nas estrelas
E no vinho, nas ervas do caminho,
No vento e nas palavras,
Faço-me espantalho de fantasmas e de sombras.
Nunca é mentira que me vence, mesmo se me quebra.
É um vómito de nojo que sobe do estômago,
E me pára a difícil digestão da vida.

Escrevo, porque sou lúcida e sozinha.
Vejo, e sinto, e espero em grau maior,
E a solidão tem o meu tamanho.
A cada embate, eu combato.
Perco a calma, não me calo, saio ferida.
Descubro-me mais livre, independente, e,
Nesta surpresa amargurada, faço medo.
A mim, que me vou conhecendo,
E aos moços de estrebaria,
Que comem da traição em grossos nacos,
Nariz ranhoso, a boiar nos pratos,
Arrotam alto, palitam os dentes à mesa,
Trocam histórias de alcova, e se querem fidalgos.
Aí, eu desabafo comigo. Escrevo.
Escrevo porque a mediocridade é grande,
Mas eu sou maior ainda!

Margarida Faro
In Viva a Desordem
Edições SeteCaminhos, 2004

1 comentário:

nuno vasconcelos disse...

que saudades da nossa Margarida Faro... e que texto.
Luís obrigado pela partilha do texto da Margarida.