segunda-feira, 18 de agosto de 2008

14 de Agosto de 1385


No passado dia 14 de Agosto comemorou-se mais um aniversário da Batalha Real commumente conhecida como Batalha de Aljubarrota, ocorrido no Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1385.
Falar-se de Aljubarrota é lembrar Nuno Álvares Pereira. Estratega brilhante pela criação de um sistema defensivo no esporão de S. Jorge composto por centenas de Covas de Lobo e Fossos, anulando assim a nossa desvantagem perante o exército Castelhano, impressionante pelo seu número e logística.
Portugal irá celebrar, mais uma vez, esta batalha com a abertura de um Museu no Planalto de S. Jorge - Aljubarrota e o Vaticano pela canonização deste "guerreito santo".
Eu, pessoalmente, embirro enormemente com Nuno Álvares Pereira. Não lhe retiro mérito militar embora não dê qualquer valor à sua suposta santidade.
Depois de quatro anos a investigar este actor da História de Portugal, só posso concluir que Nuno Álvares Pereira ou o Santo Condestável, não passava de um homem birrento, violento, maniento e incapaz de aceitar uma opinião que não a sua. Um ser insuportável que, quando Portugal já não podia esperar nada dele e desafiando assim o rei de Portugal D. João I e seu suposto melhor amigo, resolve construir - teimosamente (as fundações caíram por três vezes devido ao terreno impróprio para construção) - o Convento do Carmo. Desafio à autoridade real. Por alguma razão insistiu na construção do Convento naquele sitio pois ficava ao mesmo nivel e mesmo em frente ao Castelo de São Jorge (simbolo do poder monárquico).
Mas como a minha opinião pouco nada deverá interessar ao comum dos mortais e leitores deste bolg, deixo aqui um resumo de artigo escrito por Júlio Dantas. Vale a pena ler.

"O Libello do Cardeal Diabo" - pág. 107 a 127.

Nele, Júlio Dantas simula a reunião da Sagrada Congregação dos Ritos que irá julgar o processo de canonização de Nuno Álvares Pereira, decorrendo o ano de 2016.

Nesta reunião, existirá um Defensor (o defensor da Congregação dos Ritos) e um Promotor de Justiça (o Cardeal Diabo - advocatus diaboli), "encarregado de accusar, nos termos da bulla "Immensa" de Sixto V e da "De beatificatione servorum Dei et canonisatione beatorum" de Benedicto XIV, todos os vicíos, todas as misérias humanas, todas as máculas de origem dos candidatos ao circulo d'oiro da canonisação". (pág. 109).
Júlio Dantas irá "antever" todas as palavras e acções desse "Cardeal Diabo", que procurará expôr todos os erros e pecados praticados pelo Condestável, incluindo a análise à sua ascendência.

É um texto muito engraçado, anti-Nuno Álvares e anti-Canonização.
Logo no inicio do capitulo refere que Nuno Alvares é o "nosso Bertrand du Guesclin" (n. 1320, m. 1380; Condestável da França de 1370 a 1380; importante figura da Guerra dos Cem Anos.)"

"Santo Condestrabe" lhe chamou o povo, vendo-o, depois das suas brutalidades e das suas violencias epileptoides, edificar um mosteiro e vestir humildemente o tabardo de donato." (pág. 107).

"(...) importa é saber, dissémos nós, se n'esse typoestalão do santo dos canones romanos, resplandecente de virtude e de martyrio, de resignação e de humildade, cabe a figura brusca, violenta, derrancada, cruel, combativa e grosseira do maior condottiere e do louco mais brilhante que Portugal tem visto á frente dos seus exercitos. "Santo condestabre"? Mas santo, - porquê?". (pág. 108)
Pelas contas de Julio Dantas, a Sagrada Congregação reunir-se-á no ano de 2016.

A primeira coisa a ser analisada é a ascendência do candidato, antecedentes hereditários.

O "Advogado Diabo", dirá logo ao iniciar que Nun'Alvares, "génito de dois coitos damnados sobrepostos, era filho de um prior, - o prior do Crato D. Alvaro Gonçalves, alchimista, astrologo e fazedor de oiro [segundo Fernão Lopes], e neto de um arcebispo, - o arcebispo de Braga D. Gonçalo Pereira, creatura brutal, devassa, tumultuosa e esbanjadora. Dirá ainda que o "santo condestabre" descende de uma familia de violentos, de impulsivos, de loucos, de incendiários, de assassinos vulgares" (pág. 111).
Segundo Julio Dantas, um quinto avô paterno - Gonçalo de Fruias - teve dois filhos loucos do primeiro e do segundo casamento.

Um que se deixou morrer de sede. O outro, Ruy de Pereira, do primeiro casamento, julgando que sua mulher estava no castelo de Lanhoso "fazendo maldade" com um frade de Bouro, fechou as portas do castelo largando fogo aos palheiros, aos bostaes, e tudo, homens, mulheres e bens, ficaram reduzidos a cinzas.

Um filho deste Ruy de Pereira - Pedro Ruiz - assassinou um primo co-irmão - Pedro de Poyares, e foi avô do arcebispo de Braga, "gigante mitrado e cobreto d'oiro que excommungou e pegou em armas contra D. Afonso IV." (pág. 112).

Este arcebispo teve um filho de uma mulher "réles de Salamanca", filho este que foi prior do Crato D. Álvaro, e que por sua vez teve de várias mulheres trinta e dois filhos, um dos quais - o trigessimo - foi Nun'Alvares.

O "Advogado Diabo" mostrará assim, perante a congregação, que Nuno Álvares "representa apenas a integração, vagamente neutralisada, das taras de todos esses ancestraes bruscos, violentos, desequilibrados e criminosos". (pág. 112).
Julio Dantas faz de seguida um retrato do futuro santo, utilizando para isso a escassa documentação iconografica existente. Referir-se-á à estátua tumular mandada da Flandres pela Duquesa de Borgonha; as descrições de Frei Simão Coelho, de Fernão Lopes, de Frei José de Sant'Anna e de Frei Domingos Teixeira. Chamará a atenção da Congregação para o "seo nariz afilado e agudento", para "as sobrancelhas arcadas e ruivas", para "a pouca barba, tão caracteristica nos degenerados". (pág. 113)

Julio Dantas escreve de seguida sobre o casamento de Nuno Alvares e a sua abstinência, "onde muitos já querem vêr o helo d'oiro da beatitude, não representa mais do que uma série de inhibições verdadeiramente pathologicas, a que não foi extranha a influencia das novellas do cyclo bretão, e especialmente do Livro de Galaaz, que o "santo condestabre" constantemente lia". (pág. 113).
Passar-se-á depois a analisar o "santo condestabre" enquanto herói e homem de guerra.

Julio Dantas reconhece que a Dinastia de Aviz deve muito a Nuno Alvares. Havia nele alguma coisa mais do que um conhecimento minucioso da arte da guerra, devido à sua intimidade com os mercenários ingleses e, especialmente, a de Micer Reymondo, conde de Cambridge; "e essa alguma coisa, era a desusada impetuosidade, a violencia barbara, a quasi inconsciencia com que Nun'Alvares se atirava, ás vezes sem armas, vestido de um simples sobre-gonél de escarlata, para a plebspulla dos inimigos. Quando voltava, com os olhos injectados, a face vultuosa, coberto de poeira e de sangue, não sentia a mais ligeira dôr, não se recordava do que fizera, do que se passára, cahia n'um abatimento profundo e n'uma melancolia que, mais ou menos, o não abandonou nunca." (pág. 115).

Segundo Julio Dantas (que era formado em Medicina), esta "dysvulnerabilidade e esta amnésia consecutiva ás maiores violências, dão ao heroismo de Nun'Alvares o caracter nitido, exacto, d'uma equivalencia epileptica. Isto concorda, de certo modo, com o facto contado por D. Duarte no Leal Conselheiro, de ter o "santo condestabre" soffrido toda a sua vida de vertigens, pelas quaes bastantes vezes "stivera em ponto de cayr em terra". (pág. 116).

É o quadro clássico de Epilepsia, salienta Julio Dantas. Além disso, refere o autor, são vários os registos acerca das "allucinações sensoriaes" de Nuno Alvares. E conta o episódio em que Nuno Alvares, estando como fronteiro em Portalegre e conduzindo o seu exército a Elvas, julgou ver ao longe, na claridade do sol que rompia, faíscarem as lanças inimigas, luzirem as lorigas brancas, moverem-se as hostes e voarem os pendões. Como louco, como Nuno Alvares a correr pelo campo fora com a espada erguida, em direcção à sua "alucinação".
"O que tornou heroico o "santo condestabre" não foi, por conseguinte, a excellencia da sua virtude: foi o acaso da sua doença". (pág. 117).

Mais à frente neste Libello, Julio Dantas refere a fobia que Nuno Alvares tinha a "homes que trazião cartas". (pág. 118). Esta fobia tinha sido já notada por D. Duarte, que nela se refere no "Leal Conselheiro". Nuno Alvares teria verdadeiros momentos de loucura, não saindo de casa, ficando embrulhado na sua samarra de pano de Bruges, metido pelos cantos. O rei enviava os seus fisicos palatinos mas Nuno Alvares, furioso, cerrava os dentes, não querendo ver nem ouvir ninguém.

"Por conselho dos fisicos o officio de Gil Ayras seu escrivão da puridade nom era outro senom guardar que nenhû home nom chegasse a elle a lhe falar, especialmente com cartas. E todallas cartas que lhe vinhão Gil Ayras tomava em sy e guardava e escrevia a aquelles que lhes enviavam os termos em que o conde era de sua dor" (pág. 119).

E conclui Julio Dantas: "Foi então, aos 62 annos, não porque o tocasse um brusco fervor mystico ou o illuminasse a graça divina (e no seu libello o cardeal promotor ha de accentual-o bem), mas pelo seu irreductivel horror aos homens, pela sua progressiva misanthropia, pela ruina evidente das suas faculdades mentaes, - foi então que o "santo condestabre" se refugiou no mosteiro do Carmo, na qualidade de simples donato, ainda como constraste vaidoso com o seu antigo explendor secular." (pág. 119).

E prossegue: "Creatura por natureza declamatoria e theatral, quiz dar ao povo o espectaculo de um condestavel do Reino a mendigar pelas portas com o seu bordão, o seu tabardo de burel e a sua barba branca, - mas, diz o Compendio de Chronicas de Nossa Senhora do Carmo, - "não lh'o consentiram os infantes". Morreu oito annos depois, amollecido, demente, esqueletico, rodeado de frades, mal sustendo nos dedos uma vêla accesa, cingido ainda n'um cilício aspero, - e o povo, impressionado pelo constraste da extincção d'esse quasi rei na cinza e na humildade de um habito carmelita, tocou em volta do seu nome uma lenda de santidade que floriu pelo tempo adiante em pretendidos milagres e em suppostos prodigios". (pág. 120).

Julio Dantas ainda refere que Nuno Alvares, "é tão legitimamente, ou antes, tão illegitimamente canonisavel como qualquer outro mestre na arte suprema de matar e de triumphar, - César ou Alexandre, Attila ou Nicéphoro Phocas, Carlos V ou o Principe Negro, Filisberto de Saboya ou Frederico da Prussia, o Principe de Saxe ou Napoleão". (pág. 121)."

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