sábado, 8 de março de 2014

Phographia(S)

"Velho(a), adjectivo ganho ao substantivo do tempo. Andarilhos da memória. Doces, rabugentos, sorridentes, entristecidos, esquecidos. Flores de rua a quem dão a mão no convite da viagem. Nos seus bordões resistem à inclinação dos dias, ao fraquejar da firmeza das ruas, à tibieza do esquecimento e às bermas das vias-rápidas do utilitarismo voraz. Gosto dos meus velhos; agradeço os meus velhos. Vasos de todas as guerras, porta-tudo: os filhos que são, os pais que são, os avós que são, os irmãos, amigos e vizinhos e amantes que são e, ainda e sempre, os meninos que são! São. Existem, vibrantemente opacos. Olhares marinheiros, mãos nodosas, mãos raízes que nos dizem que são árvores os lugares onde paramos para sabermos quem somos. Os velhos dizem-nos meninos os nossos pais. E num instante os nossos próprios pais são velhos e dizem aos nossos filhos que ainda temos medos meninos. Às vezes, vejo-os em docas secas privados das suas marés e não perceber que são as nossas praias que morrem da míngua das águas que lhes são supostas. E não perceber que, generosamente, são eles as telhas que travam a borrasca ou a inclemência dos sóis desta juventude vã e adorada como bezerros d'oiro. Apeadeiros do nosso cansaço, unguento das nossas feridas. E, às vezes, pedem-nos apenas colo, direito de amor dessa meninice ganha à idade dos dias, ao fraquejar dos dias, dos dias que, distraídos, lhes retiraram amores onde mora pleno o desejo e fizeram de seus pais e filhos criados (quando os há) uma infinita lonjura de saudade. Os velhos são escadas de farol. Bato-lhes à porta e subo por seus degraus de caracol e acedo à montra dos seus olhos: salas todas elas de vidro das quais diviso seus vastos mares e seus barcos vários de viajar. E quando tenho medos (oh, se os tenho!) peço-lhes porto nas suas mãos de faroleiros que acendem lâmpadas grandes, e estas, girando a trezentos e sessenta graus, alumiam-me e dizem do infundado dos meus medos e devolvem-me à cama, ajeitam-me a roupa e beijam-me os sonhos, ternos como algodão-doce de feira e prodigiosos como os dias de ida ao circo. E na acalmia das minhas tribulações soltam as amarras desse mundo, que, generosos, me dão a ver e que, talvez com sorte, poderei vir a Ser. Isto é: um rabugento e venturoso velho de mãos abertas ao mundo até ao derradeiro grau da ampulheta mágica...!" Filipe M. 



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